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Emissões de CO2 da Amazônia cresceram até 122% no início do governo Bolsonaro

Andrei Netto, da Headline | Paris, França

Pesquisadores do INPE concluíram que aumento da devastação está relacionado com queda na fiscalização ambiental. Agricultura, pecuária, exploração de madeira e de minérios também cresceram

23 de ago. de 237 min de leitura
23 de ago. de 237 min de leitura

Um novo estudo realizado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), publicado nessa quarta-feira, 23, pela revista científica Nature, comprova o impacto devastador para a Amazônia dos dois primeiros anos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL, extrema direita). Entre 2019 e 2020, as emissões de CO2 pela floresta cresceram 89% e 122%, respectivamente, em comparação com o período entre 2010 e 2018*, segundo o estudo. No mesmo intervalo, o desmatamento cresceu 80%, e a produção de madeira, soja e milho cresceram 693%, 68% e 58%, respectivamente.

Os dados constam do estudo Increased Amazon carbon emissions mainly from decline in law enforcement. A pesquisa engloba coletas realizadas em quatro regiões da Amazonia, representando em torno de 80% da Pan-Amazônia, e foi coordenada por Luciana Gatti, coordenadora do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do INPE, ao lado de outros 29 pesquisadores. Segundo os autores, há uma correlação direta entre a queda do número de autos de infração emitidos por autoridades públicas contra garimpeiros e grileiros de terras e o aumento do uso da terra para fins de produção agrícola, pecuária, exploração de madeira e mineração. 

"Esse aumento nas taxas de desmatamento, juntamente com o aumento das emissões de carbono, coincide com um declínio dos órgãos ambientais federais responsáveis pela aplicação da lei na região, especialmente após 2018, quando as notificações de campo e os julgamentos que resultaram em multas pagas atingiram o menor número registrado na última década", diz o estudo. "De 2010 a 2018, uma média anual de 4.734 autos de infração foram lavrados na Amazônia por danos contra a flora (principalmente desmatamento ilegal). Em 2019, os autos caíram para 3.331 e em 2020 para 2.193, representando uma redução de 30% e 54%, respectivamente."

"Além disso, a média anual de julgamentos e o respectivo número de multas pagas até o ano subsequente caíram 74% e 89%, respectivamente", dizem os pesquisadores.

Ou seja: nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, a redução da fiscalização para controle de desmatamento resultou no crescimento do desflorestamento, das queimadas e da degradação da floresta, abrindo espaços para atividades econômicas em áreas que eram de mata virgem. Outro exemplo: entre 2019 e 2020, houve crescimento de 13% na produção de gado na região da Amazônia, enquanto a produção no resto do território brasileiro caiu 4% – o que segundo os pesquisadores indica a migração progressiva da pecuária brasileira para a região da floresta tropical.

De acordo com dados do PRODES, que têm 94% de precisão, "o desmatamento na área estudada aumentou 82% e 77% para os anos de 2019 e 2020, em comparação com a média de 2010-2018". "Para o mesmo período e comparação, considerando toda a Amazônia, a área queimada recuperada pelo MODIS aumentou 14% em 2019 e 42% em 2020", reforça o estudo, que ressalta lembrar ainda que "os focos de incêndio aumentaram 3% em 2019 e 22% em 2020, em relação ao período anterior".

O resultado prático disso é que áreas de floresta que antes absorviam carbono emitido pela ação humana agora também tornaram-se emissoras, contribuindo para a redução do nível de chuvas, para o aumento da temperatura média na região e, logo, para a crise climática.

"Comparando os realces médios do perfil vertical da Amazônia (ΔVP) em 2019 e 2020 com a média de 2010-2018, observamos um aumento de 50% e 142%, respectivamente", relata o estudo. Os aprimoramentos do perfil vertical são um indicador em grande escala do funcionamento do ecossistema e estão fortemente relacionados ao orçamento de carbono.

"Apresentamos a média anual de ΔVP da Amazônia de 2010 a 2020, comparando os anos de 2019 e 2020 com a média anterior de 2010-2018. Observamos uma contribuição positiva líquida de CO2 para a atmosfera para o ΔVP médio de 2010-2018 de 0,24 ppm. Isso indica que a Amazônia é uma fonte de carbono para a atmosfera, incluindo todos os processos naturais e antropogênicos de emissões e absorções de CO2. Esse resultado é uma indicação direta da fonte regional no orçamento global de carbono.”

Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores usaram a análise de dados de desmatamento mapeados para fontes de carbono georreferenciadas – limitado à Amazônia brasileira, o PRODES –, bem como a incidência de focos de incêndio (Pan-Amazônia) e a área queimada e outros parâmetros, para entender os principais fatores responsáveis pela conversão da Amazônia em uma fonte de carbono. A frequência de amostragem foi de aproximadamente duas vezes por mês em cada local, de 4,4 km de altura acima do nível do mar, e geralmente realizada entre 12h e 13h, no horário local.

Crianças participam de protesto contra a destruição da floresta amazônica, na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, em 25 de agosto de 2019. Foto: Mauro Pimentel/AFP
Crianças participam de protesto contra a destruição da floresta amazônica, na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, em 25 de agosto de 2019. Foto: Mauro Pimentel/AFP

O estudo mostra ainda que os danos causados à Amazônia entre 2019 e 2020, durante os dois primeiros anos do governo de Bolsonaro, são comparáveis aos verificados entre 2015 e 2016, quando aconteceram os piores efeitos do fenômeno climático El Niño na região. Em 2019 e 2020 não houve motivos climáticos para o aumento das emissões, e as emissões foram comparáveis às dos piores anos de El Niño”, explicou Luciana Gatti a Headline. “Bolsonaro foi o El Niño brasileiro. A inação governamental na sua gestão resultou em uma destruição da Amazônia comparável a um extremo de seca climática”.

10 vezes mais emissões

Em um estudo precedente, realizado pela mesma equipe e também publicado pela revista Nature, os pesquisadores haviam concluído que a região sudeste da Amazônia, uma de suas áreas mais degradadas, a floresta já havia se tornado fonte "positiva" de emissões de carbono – ou seja, estava emitindo mais do que captando. A pesquisa demonstrou que 27% do lado leste da Amazônia brasileira já havia sido desmatado em 2018, e emitia quase 10 vezes mais do que o lado oeste. "A minha motivação é compreender se na região sudeste da Amazônia a floresta já ultrapassou o tipping point (ponto de inflexão no qual a floresta não tem mais capacidade de se regenerar)”, diz Gatti.

"A floresta está perdendo condições de continuar a ser uma floresta tropical úmida, porque está chovendo cada vez menos, a temperatura está cada vez mais alta, mas por culpa do próprio desmatamento do que das mudanças climáticas globais”, diz Gatti, que explica que os dados podem inclusive ser subdimensionados. "Desmatamento e queimadas avançaram muito em florestas primárias, onde o fogo não pode ser detectado por imagens de satélite, porque a degradação acontece sob a copa das árvores", explica a pesquisadora.

Gado pasta em meio à fumaça nebulosa causada por incêndios na rodovia BR-230 (Transamazônica) em Manicoré, estado do Amazonas, em 22 de setembro de 2022. Foto: MIchael Dantas/AFP
Gado pasta em meio à fumaça causada por incêndios na rodovia BR-230 (Transamazônica) em Manicoré, estado do Amazonas, em 22 de setembro de 2022. Foto: Michael Dantas/AFP

Enquanto se dedicavam a entender o crescimento das emissões no lado leste da floresta, os pesquisadores descobriram que a degradação é superior ao imaginado no lado oeste, que também emitiu mais carbono do que captou no período. "O lado oeste da Floresta Amazônica, que era neutro, agora está emitindo muito carbono”, diz a pesquisadora. 

Dados coletados por outro pesquisador do INPE, Claudio Almeida, indicam que o desmatamento em estados como Amazonas e Roraima, situados na fatia oeste da Amazônia brasileira, também cresceram de forma intensa nos primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro.

Ainda na gestão de Michel Temer (PMDB), ex-vice-presidente que assumiu o cargo após o impeachment de Dilma Rousseff (PT), o governo federal brasileiro começou a “flexibilizar” legislações ambientais, abrindo reservas naturais à prospecção de minérios. Mas sob o governo Bolsonaro a política foi ampliada. Sob a gestão do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL), foram publicados mais de 400 decretos que "flexibilizavam" a legislação ambiental, além do perdão de multas e da redução da capacidade de fiscalização dos órgãos públicos.

Salles, hoje deputado federal e um dos expoentes da extrema direita brasileira, foi procurado, mas sua equipe não respondeu aos pedidos de entrevista.

* Correção: uma versão anterior dessa reportagem citava erroneamente o período de referência do estudo como sendo entre 2010 e 2020. O período correto é entre 2010 e 2018. A informação foi corrigida na versão atual.

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